quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

"A PUTABILIDADE DAS COISAS"




Benjamim disse: “O convincente é infecundo”. Não no sentido persuasivo, entretanto, numa crítica ao acabado, imóvel e homogêneo. É o uso das máquinas, do instrumentalismo e uma maior tecnocracia em detrimento do corpo, da força física e mental humana. É a coisa ocupando o lugar da condição humana, senão da conduta humana.

Por isso a “putabilidade das coisas”, a coisificação das pessoas, a “coisificação das coisas”. O célebre Renato Russo alertava: “Cuidado com a coisa, coisando por aí; a coisa, coisa sempre, também coisa por aqui; seqüestra o seu resgate, envenena sua atenção; é verbo, substantivo, adjetivo e palavrão”. De fato, a coisa ou as coisas, estão por toda parte, estão nos lugares mais pueris ou nos lugares mais ácidos. É alarmante não se dar conta de sua presença (da coisa), de seus palavrões e agressões para com a sociedade, ou pior, de suas agressões para com os humanos, seres críticos e de “normal” crise (crisis).

As verdades estão mais rápidas, mais fluidas e “imensuráveis”. É de se ressaltar o “erro” da tentativa de mensuração delas (verdades), pois sejam as verdades, sejam as mentiras, são todas cíclicas e repetitivas. Não estão fixas e invariáveis, nem absolutas. Há um diálogo de permanência e mudança. Entretanto, as ressalvas não estão sendo feitas para aceitação ou comodidade para com as verdades, mentiras, para as coisas em geral, nem para ser batido o martelo e ser determinado: “Não existem mais verdades, nem mentiras, tudo é instável”; porém, é uma tentativa de instiga para que os conceitos de verdades e mentiras se tornem reflexivos, reformulados, “transvalorados”.

A busca pelo supérfluo é incessante. O amor, as dores, os desejos e os diálogos, estão esquecidos, estão “piegas”, estão se tornando a “coisa”. Parece enigmático falar das coisas, das suas putabilidades, porque é difícil determiná-las, apontá-las por completo, dá todos os nomes e suas características. Por isso a necessidade de “refundamentação” de qualquer coisa, da preocupação com a condição humana e da reflexão para com tudo que está se tornando instantâneo e efêmero. Para não ser julgada como dispersa ou utópica a “putabilidade das coisas” e para eu não ser rotulado como aquele que fica em cima do muro, abraço o aforismo nietzschiano: “Torna-te aquilo que és”.


5 comentários:

  1. Pior que a 'coisificação em si' é putabilidade das coisas. O uso, abuso, estupro e descartabilidade.

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  2. Pior é que a "coisificação em si" é apenas aquilo permitido por uma outra "condição humana" e acaba por suplantar a própria.

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  3. “Torna-te aquilo que és”. Mas o que realmente eu posso ser quando "a verdade é curva" (Nietzsche)?! Ou como falou, notavelmente, vc, Aurélio: "As verdades estão mais rápidas, mais fluidas"?!
    Esse diálogo de permanência e mudança está em todas as coisas, principalmente naquilo que és. Aquilo que és é aquilo que vir-a-ser. Às vezes coerente e às vezes não. O homem devem buscar sempre pela coerência, porém vai sempre encontrar com o acaso. Como diz os frankfurtianos: "a história é uma construção do inesperado".

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Hoje a sociedade moderna vive um equívoco, pois vive apenas sob a égide do espetacular. Quem está fora da santa trindade "celular, televisão e computador" está morto mesmo com saúde perfeita.
    As pessoas não sentem mais dor, tristeza, amor, susto...vivem a mercê das coisas imagéticas, das percepções banais. A repetição está presente a todo instante, tornando nós, seres humanos, impossibilitados de pensar e de questionarmos a nós mesmos. É a distração concentrada ou a "coisificação" como você falou.
    Portanto, se concentrar em si mesmo seria uma forma elementar de reflexão, de criar a sua própria verdade.

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