quarta-feira, 17 de novembro de 2010

TROCA DE FLUIDOS




O mundo está em ebulição, destruindo-se e ressignificando-se ao mesmo tempo. Zygmunt Bauman fala da modernidade-líquida ou do líquido moderno, onde a fluidez das coisas, das pessoas, dos espaços, está em dinamicidade e ganhando um tom presente constante, justamente por conta da descartabilidade em que as relações, interesses, objetos, entre muitas outras coisas, se encontram. A globalização bastante ressaltada por muitos ou o multiculturalismo, com discursos otimistas, ao mesmo tempo em que permite a rápida e veloz troca de fluidos na sociedade, põe dificuldade para esta mesmo ou mais ainda, encarece a importância desses fluidos. Essa proximidade e relações “internacionalizantes”, que nos traz a globalização, é próprio contraditório, pois os humanos estão se tornando cada vez mais distantes, omissos e neutros. A internet refugia o ser, não há mais espaços para o contato face a face, os diálogos são limitados e sintéticos, fluidos (porque se perdem valor rapidamente) e secos (porque não se deixam dinâmicos, verdadeiros e pessoais).
Como então fazer valer as trocas de fluidos? Pior; como se chegar às trocas de fluidos reais ou as trocas de fluidos orgânicos? Os interesses são outros, embora muitos façam tais trocas de fluidos, seja no amor, no sexo, nos diálogos, nas conquistas, nas compras, nas crises, enfim, os valores estão se perdendo, as relações estão sendo diretas e efêmeras. Não estou também estabelecendo ou determinando valores, não dissemino verdades absolutas, mas as perdas de valores são claras e globais. Nietzsche nos mostra a sua “vontade de poder”, originária, a realidade nua e crua das coisas, independentemente de condições especiais, de “jeitinhos” ou facilidades, onde não há exceções e transgressões. O mundo está carente dessa potência Nietzschiana, da vontade e da vontade potencial, sem mitologias, crenças e inverdades. O sexo para a contemporaneidade é veloz, rápido, senão metafísico; é a expulsão de desejos (digo que caberia aqui até o complexo freudiano ou sua psicologia dos desejos), é a necessidade de sentir o que não se sente e de fato não se sente, não há a troca de fluidos reais, por mais que os fluidos orgânicos estejam intrínsecos. Muitos não deram conta da importância do desapego a essa “irrealidade humana”, onde as sensibilidades, as emoções e prazeres não condizem com a troca de fluidos, ou melhor, não condizem com as trocas de fluidos verdadeiras, que poderia mover vidas.
Posso até finalizar com Saussure (lingüista e filósofo suíço), com a sua “teoria do valor”, com suas relações lingüísticas, relações de signos e medidas. Vou substituir signo por valor (até para não esquecer valores e as trocas de fluidos que puxou o texto), pois segundo o suíço esta teoria postula que os valores (signos) lingüísticos estão em relação entre si no sistema de língua. Um valor (signo) só tem o seu valor na medida em que não é outro valor (signo) qualquer: um valor (signo) é aquilo que os outros valores (signos) não são. Aparentemente parece uma visão bem diferencial e negativa e pode chegar a ser até perigosa, entretanto, pode também anunciar e escancarar a busca incessante da sociedade atual por novos valores, que se sejam valores desconhecidos ou que nem se saibam quais valores querem ou o que sejam valores, porém, a maior relevância é a procura por algo novo, por aventuras, por consumo, por tecnologia, pela erotização, embora transpire mais “deserotização” do que prazer, enfim, numa hermenêutica (aí utilizo a teoria do valor de Saussure) que explicita a quantidade de trocas de fluidos que principalmente nossa sociedade pós-moderna saboreia. Passo a me despedir, portanto, enfatizando a necessidade de nos atentarmos a toda essa aguça troca de fluidos, dessa modernidade líquida desvairada, sem direção, sem percepção e todo o paradoxo do conforto, liberdade e facilidades que a globalização e os valores contemporâneos anunciam e impregnam-nos, seres enquanto seres de punho, sangue e vida. E falando em troca de fluidos, e sobre os fluidos que dão movimento a vida, disse Heráclito: “O ser é tão pouco como o não-ser; o devir (o movimento) é e também não é”.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

ESTAMOS FORA DO LUGAR...




Posições fixas e invariáveis, o conhecimento vai se ajustando, se regularizando e se adequando. Não se propicia a criação, a autenticidade do pensar e a tentativa de ajustar uma pessoa a faz robótica, mecânica, acabada e limitada. Não só para com as mentes “pensantes” ou educandos do mundo, entretanto, afeta principalmente os ditos “possuidores do conhecimento”, educadores, formadores, professores, enfim, pois estes fazem a “absolutização da ignorância” quando tratam os educandos como coisas, como algo que tem que ser preenchido, como um ser acrítico e sem poder de intervenção. É como dizia o grande Paulo Freire na sua “Pedagogia do Oprimido”, que “o pensar do educador somente ganha autenticidade na autenticidade do pensar dos educandos”. Não é desmerecendo ou deixando de lado a relevância dos educadores, mas a educação que a maioria destes propicia é uma educação opressora, de cima para baixo, de dentro para fora, havendo uma contradição de papéis (educador-educando) e não uma simbiose ou uma intercomunicação que deveria ocorrer entre ambos.
A educação ainda está sendo feita para dominação, para o fechamento de grupos, com tons preconceituosos e com apenas retalhos da realidade. Uma antinomia cruel, onde a educação seria para transformação e construção de sujeitos do processo, no entanto ela se traduz em sujeito e objeto, com a doação do “saber” dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber e mais uma vez venho ressaltar que não estou fomentando um discurso negativo para com a educação, mas por um viés que não seja ingênuo e que não vanglorie a concepção de que os educandos tanto são mais “educados” porque são “adequados” ao mundo, como a educação que se tem propõe e muitos educadores contribuem para opressão do estímulo do pensar autêntico e situando-se pela superposição, por uma educação como prática da dominação.
É a “cultura do silêncio” e sem entrar aqui num contexto de cultura numa amplitude maior, o discurso não é esse e nem minha intenção momentaneamente, porém a minha tentativa é de denunciar a incomunicabilidade entre educadores-educandos, no sentido de não haver uma dialética ou uma recíproca entre estes e justamente proponho uma educação libertadora, mas não liberal (que me faria entrar ou incorrer no erro de defender uma educação de objetividade, enxugamento de conteúdos, velocidade e uma educação mais voltada pro mercado de trabalho do que para parir o conhecimento em si, que também reproduz uma mecanização do ensino), no entanto uma educação que se liberte desses paradigmas e que supere a contradição de educadores-educandos e que ambos façam dignos educadores e educandos. Não vamos nos desesperançar e nem deixar tudo como algo já estabelecido, entretanto, nos isentarmos de apontar esses caminhos que a educação vem trilhando é admitirmos a absolutização da ignorância que falei anteriormente e aceitarmos uma educação a serviço da desumanização e não a favor do que é necessário, uma conciliação entre sujeitos e objetos, ou melhor, um processo de sujeitos.
            

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL, ESPETÁCULO E BRASIL

A princípio, para se começar a falar sobre estratificação social é de tamanha relevância diferenciar renda de riqueza. A renda refere-se ao montante que alguém recebe em um dado período de tempo, já a riqueza, é o que de fato alguém possui, ou seja, o patrimônio de uma pessoa. É com estes dois conceitos e suas diferenciações que passo a abordar o que é estratificação social, o que ela trata, sobre os grupos e nome que contribuíram para sua importância de estudo.
A estratificação social indica a existência de diferenças, de desigualdades entre pessoas de uma determinada sociedade. Ela indica a existência de grupos de pessoas que ocupam posições diferentes e seus critérios são econômicos, políticos e sociais. A estratificação econômica é baseada na posse de bens materiais, fazendo com que haja pessoas ricas, pobres e em situação intermediária; a política é baseada na situação de mando na sociedade (grupos que têm e grupos que não têm poder), já a social é baseada nos diferentes graus de importância atribuídos a cada profissional pela sociedade. Por exemplo, em nossa sociedade valorizamos muito mais a profissão de médico do que a profissão de pedreiro.
Tratando-se do Brasil, é notória e comprovada que a desigualdade no país é uma das maiores do mundo. Apesar de que nos últimos quarenta anos o Brasil tem se tornado mais rico, isto é, seu produto interno bruto aumentou, entretanto, a distribuição de renda do país tem se tornado cada vez mais desigual. O aumento de riqueza no Brasil explica-se, em parte, pelo processo de industrialização que ocorreu a partir da metade do século passado (século XX).
A Revolução Industrial e a transformação dos sistemas econômicos contribuíram para que as questões sobre a desigualdade social fossem mais bem visualizadas, discutidas e percebidas, principalmente depois do advento do capitalismo, tornando-as mais evidentes. Umas das características fundamentais que distingue nossa sociedade das antigas é a possibilidade de mobilidade social. Diferentemente da sociedade medieval na qual quem nascesse servo, morreria servo, e na qual não era possível lutar por direitos e por uma oportunidade de mudar de classe. Na sociedade ocidental contemporânea, por exemplo, isto já é possível, e a mobilidade social se dá especialmente como conseqüência dos investimentos em educação, dos investimentos de formação e capacitação para o trabalho, que podem vir tanto do Estado quanto da própria iniciativa social.
Acreditava-se que, com a Revolução Verde no Brasil, um aumento expressivo na produção e na produtividade agrícola mundial solucionaria o problema da fome no mundo, pois com muitos investimentos (presença das indústrias) o país tornou-se o segundo maior produtor mundial de soja. Entretanto, em vez de diminuir as desigualdades, ocorreu a intensificação da concentração de terra, agravamento da questão migratória nacional com a expulsão da população rural para os centros urbanos, crescimento do subemprego, enfraquecimento da pequena propriedade e retração da produção de alimentos e outros produtos para o mercado interno com a conseqüente elevação do custo de vida.
Em resumo, a agroindústria da soja tem proporcionado uma mobilidade social ascendente ou vertical- ou seja, tem possibilitado que alguns indivíduos se movam para cima no sistema de estratificação e tem aumentado a renda média nacional, entretanto, ela também tem aumentado o abismo entre ricos e pobres e gerado novas formas de exploração e de conflitos sociais.
E se tratando de conflitos sociais, as teorias de estratificação de Marx e Weber são de extrema importância para um melhor entendimento do assunto. Os conflitos sociais geram os conflitos das classes sociais, sendo Karl Marx quem procurou colocar no centro de sua análise a questão das classes. Ele distingue as classes com base em sua relação com os meios de produção. Prevê um conflito inevitável entre burguesia e o proletariado e o nascimento de um sistema comunista. Já Weber, distinguiu as classes com base em sua “situação de mercado”. Weber argumentou ainda que uma consciência de classe pudesse se desenvolver sob determinadas circunstâncias, embora isso não fosse inevitável, e enfatizou o prestígio e o poder como fontes não econômicas importantes de desigualdade.
Outras teorias se destacaram como a teoria de estratificação de Blau e a de Ducan, como também a atualização de Wrigth com o esquema de classes de Marx e Goldthorpe com uma revisão do esquema weberiano, ao distinguir as classes com base em suas “relações de emprego”, entre outras distinções relativas ao setor econômico, à qualificação, etc.
A estratificação social e suas conseqüências estão presentes no nosso cotidiano, portanto, é muito importante a sua percepção e o entendimento da sua distribuição de desigualdades, para que muitos não atribuam a culpa das desigualdades apenas ao Estado e esqueçam as outras realidades que contribuem para atual situação precária de desigualdade do Brasil e do mundo.